Portugal visto daqui - parte 2: A cigarra e a formiga

segunda-feira, 16 de maio de 2011
Não consigo deixar de pensar como esta inevitabilidade natural, esta crueza com que as estações se sucedem aqui, sem que possamos fazer nada por isso ou contra isso, tem um papel fundamental na determinação da mentalidade e na organização da sociedade dinamarquesa. É, com toda a propriedade, certo como o Sol, que a cada Primavera e Verão, durante os quais vivemos enlevados num clima ameno, em dias longos, rodeados de flores, árvores, pássaros e tudo maravilhoso e alegre, é certo dizia, que a cada Primavera e Verão se sucede um Outono e Inverno. E por isso nada pode ficar-se pelas boas intenções, pelos planos ou pelas palavras, porque nem as boas intenções, nem os planos, nem as palavras aquecem ou providenciam alimento e abrigo quando a Natureza é dura. É por isso que os dinamarqueses gastam pouco tempo a desconversar e mais a fazer. É por isso que não esbanjam os seus recursos. É por isso que são cumpridores e exigem aos outros que o sejam também. Trata-se afinal da fábula da cigarra e da formiga, vivida e não apenas contada. E é por isso que nesta (não) fábula, os dinamarqueses são as formigas, que vêem no sul da Europa um ninho de cigarras

O site da DR Update, o equivalente a uma RTP - notícias daqui,
dava conta do pedido de ajuda de Portugal à União Europeia

Portugal visto daqui - parte 1: "O Sol"

quarta-feira, 4 de maio de 2011
O jornal Berlingske, um dos mais lidos na
Dinamarca, noticiava na sua página: 
Portugal, abalado pela crise,
dirige-se à União Europeia: Ajudem-nos
Tenho seguido com preocupação e tristeza o desenvolvimento da situação em Portugal. Na Dinamarca as notícias a esse respeito são poucas e breves, mas inequívocas. Parece-me evidente que, a norte do rio Minho, ninguém está particularmente preocupado com as famílias portuguesas que se angustiam com o que sentem suceder à sua volta. A preocupação é tão-somente com a avaliação do impacto da crise portuguesa no Euro e na recuperação da economia da Europa. Portugal parece ser visto como uma espécie de miúdo com problemas, a quem se deu um Porsche. O miúdo espetou-se, mas a atenção agora é já para o outro, mais novo e mais de leste (e insisto que se trata de um Porsche e não um Ferrari, para quem quiser ler nas entrelinhas).
 

Eu importo-me com o que se passa em Portugal, independentemente do seu impacto no resto da Europa. Importo-me com o que estarão a sentir os meus familiares e amigos em Portugal e com todos os outros, que eu não conheço, mas que alguém que eu conheço, conhece. Por isso, apesar de não abundarem por aqui as informações sobre a situação portuguesa, abro uma vez por outra no meu computador uma janela com vista para Portugal e assisto a noticiários, debates, entrevistas. Mais vezes me sinto triste do que preocupado, mas infelizmente nunca surpreendido com a situação.
 

Há um ano por esta altura trocava uma série de mensagens com o Fernando Alves, cronista na TSF, e numa delas escrevi um comentário relativo ao reaparecimento do Sol aqui em Copenhaga, e ao sentido que esse Sol invocava após o longo Inverno. Ele gostou do comentário e acabou por utilizá-lo como centro de uma das suas crónicas diárias. 

O Sol volta agora a Copenhaga e mostra em azul forte o céu e os canais. Depois de diminuído pela estação fria e escura, este Sol sabe a esperança, a vitória e a recompensa para quem atravessou o Inverno. Iluminadas pelos sinais deste Sol novo vejo ao meu redor pessoas sorridentes e confiantes, mas ao ouvir o Português, vindo em zeros e uns de Portugal, não posso deixar de recordar as tantas pessoas que nos últimos tempos aí encontrava no metro, no autocarro, na rua, com olhar vago e desiludido. Entendo agora que pareciam estar embargadas num Inverno eterno; de ter falta de Sol, o tal de esperança que um dia deve chegar

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